Provavelmente você já ouviu ou leu em algum lugar sobre a importância de fazer análise para ter autoconhecimento, termo muito comum e usado creio eu, de forma um tanto superficial.
Você já se questionou se realmente a Psicanálise propicia isso?
Quando me debruço sob as obras de Freud percebo que ele está o tempo todo nos mostrando as alterações que sua teoria teve de passar à medida que limites iam sendo encontrados, não sei você, mas ao ler os casos publicados acredito que ele nos mostrou muito mais os erros que o levaram a mudar a práxis do que acertos, cada um dos casos que vieram a público marcaram uma novidade no manejo clínico, alterações. Acho importante ressaltar isto para mostrar que na Psicanálise a clínica antecede a teoria, isso é avesso à maioria dos modelos científicos propostos, onde primeiro se teoriza e depois se pratica.
Portanto, para falar de autoconhecimento me baseio em meus atendimentos e na leitura que faço do que foi publicado e trazido tanto por Freud quanto por Lacan, cada um, claro, a sua maneira de exposição. Lacan fez pela via de seminários e poucos escritos.
Nos casos clássicos há algo que sobra, questões que ficam abertas, e isto obviamente levou a uma questão importante.
Qual é o fim de uma análise?
Quem primeiro propôs a problemática foi Sandor Ferenczi, discípulo de Freud, que foi respondido tardiamente com a publicação do texto “Análise terminável e interminável” de 1937, após a sua morte. Nesta obra o pai da Psicanálise discorre sobre o que seria o termino de uma análise. Refletir sobre o termino me conduz pensar se há um limite e claro, me salta outra questão.
Qual o limite para o conhecimento de si?
Quando entendo que ao nascer não possuímos conhecimento algum, sequer somos conscientes de nós mesmos e gradualmente somos estruturados pela nossa relação com o outro, entendo que todo conhecimento é vindo do outro, incluindo o conhecimento e consciência de mim mesmo. “Estádio de espelho”.
Não conheço as coisas senão pela introjeção destas, primeiro pelos cuidadores e posteriormente pelas minhas relações e laços sociais. Tendo isto em mente tendo a concluir que toda forma de conhecimento passa ou vem pelo outro. Uma Psicanálise não se faz sozinho, é necessário outro, no caso, o analista ocupa essa posição. Se fosse possível esse autoconhecimento o Psicanalista seria desnecessário, afirmar o autoconhecimento anula a presença do analista.
Já discuti bastante esse tema com colegas durante encontros e congressos, até indico a você assistir a edição do Café Filosófico intitulada “A utopia do autoconhecimento”, com Ricardo Goldenberg, ele propõe que realmente não exista o autoconhecer, é uma utopia. Estas reflexões me inquietam, e busco possibilidades de refleti-las.
Com Lacan entendo que somos “Sujeitos” escrito com o S barrado justamente porque algo nos limita, nos barra, e esse algo é a linguagem, sendo ela uma herança trágica, cultural e limitante, castradora, estamos sujeitados a ela. Portanto, há um limite da própria linguagem, nunca conseguimos dar conta de dizer sobre algo, é como se algo estivesse sempre na ponta da língua, mas nunca encontramos a palavra definitiva. Em análise sempre tentamos falar de algo que nos escapa, um conhecimento que não nos é permitido. Encontramos aqui então um limite para o autoconhecimento.
Evoco o mito da Medusa, quando Perseu tem de matá-la é necessário fazer sem lhe olhar diretamente, aqueles que o fazem se transformam em pedras. Isto porque ao olhar diretamente ele veria e conheceria sua própria verdade e isto é petrificante. O mito nos mostra o quanto não somos capazes de sustentar o verdadeiro conhecimento sobre nós mesmos, não damos conta e por isso é sempre necessário acessá-lo pelo reflexo, como fez Perseu com seu escudo, olhou a medusa refletida para poder enfrentá-la. O reflexo inverte e distorce a imagem. Assim, temos acesso ao conhecimento sobre nós, sempre pelo reflexo e de maneira distorcida. A realidade é uma distorção do Real.
A transferência, tão necessária para que uma análise aconteça, tem exatamente essa função de espelho, pela transferência o sujeito repete e reflete na presença no analista uma outra cena, distorcida, para poder então enfrentá-la. Recordar, repetir e elaborar. No entanto, neste exemplo fica claro mais um limite para o autoconhecimento.
Também posso entender o autoconhecimento como uma busca autônoma por qualquer forma de conhecimento, seja uma arte, cultura, uma profissão ou uma língua, mas dependerei de algo ou alguém externo a mim para adquiri-la. Ir ao Psicanalista compreende assim uma busca autônoma pelo conhecimento de si, porém ciente que o outro se faz necessário para que haja algum sucesso.
Concluo que a Psicanálise nos possibilita perceber que há um limite para o autoconhecimento, e que lidar com esse limite é fundamental para nos havermos com nossa falta, com nossa castração, com a incompletude do saber, e que, pela falta de um conhecimento completo, temos que inventar a cada dia uma resposta criativa para os limites encontrados ao término de uma análise.